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20 de março de 2010

VENCIMENTOS

O FIM DE UM CICLO INFELIZ - Baptista Bastos

No rescaldo do congresso do PSD, repercutindo-se, ainda, os ecos e as críticas à Lei da Rolha, do dr. Santana, eis que a Imprensa, na quase totalidade, revela os escandalosos vencimentos de "gestores", os obscenos bónus e mordomias que recebem - ao mesmo tempo que o povo fica perplexo ante o empreendimento imoral de que é alvo, através do PEC "socialista."

Há relações notórias entres estes acontecimentos, porque nada existe isolado. O conclave de Mafra constituiu uma inutilidade e um absurdo: as divisões no PSD ficaram mais à vista, os problemas gravíssimos do País nem sequer foram abordados (entre os quais as disparidades entre "gestores" e trabalhadores, rudemente assinaladas nos jornais), e a espuma das futilidades prevaleceu sobre o rigor exigido.

A dr.ª Manuela Ferreira Leite manifestou o seu entusiástico acordo à Lei da Rolha, assim como o dr. Sarmento, há dias acusado, no Parlamento, pelo dr. Granadeiro, de exercer pressões para que este último despedisse os directores do "Jornal de Notícias", do "24 Horas" e da "Grande Reportagem", quando o País era dirigido pelo tandem Durão Barroso-Santana Lopes. Como se pode verificar, a democracia está bem servida com esta gente a mandar.

Nenhum dos três candidatos à presidência do PSD explicou, ao de leve sequer, os problemas que directamente nos afligem. Fugiram do PEC a sete pés, no momento em que a aberração deste documento incide sobre os mais desfavorecidos, e seria curial que nos esclarecessem, social--democraticamente falando, do que pensam acerca da ofensiva "socialista." Perderam uma excelente oportunidade de se colocar perante o eleitorado exterior.

Parece que a questão social está arredada das atenções dos candidatos. E o que prende a sua curiosidade e afecta as suas energias é, pura e simplesmente, o poder. O poder pelo poder. A substituição pela substituição. Evidentemente, qualquer um que vá para o lugar da dr.ª Manuela Ferreira Leite será melhor do que ela. Mas melhor em quê?, dando de barato o absoluto desinteresse por eles manifestado em relação aos portugueses. O assunto das prebendas faustosas aos "gestores" já andava nos jornais. Silêncio sobre. Podemos confiar em gente deste quilate, que somente se interessa pelas suas pequenas ambições?

Há meses, já o dr. Cavaco se referira, num discurso e em declarações avulsas, à pouca-vergonha. As suas palavras caíram em saco roto; e, agora, que o PEC surge como salvação para o descalabro, apenas os jornais falam no caso. O dr. Teixeira apareceu a indignar-se com a circunstância de um accionista vir a público verberar a obscenidade. E um jornalista do Porto expressou, na televisão, o desagrado que lhe causavam as notícias dos escandalosos vencimentos, avisando-nos, grave e acusador, que tudo aquilo era demagogia. Não lhe causava engulhos o facto de um dos "gestores" ter recebido um bónus no valor superior a trinta anos de salários de um trabalhador. O talento paga-se, dizia o distinto, que parece não entender as noções de equitatividade que devem reger os laços sociais. O País está a dois passos do abismo, segundo grandes economistas, e há quem se respalde na expressão "demagogia" quando alguém ousa criticar a infâmia.

O PS já não surpreende. Um partido que apoia decisões de tal monta, sem o mínimo de protesto, sem a mais escassa indignação, é um partido sedado, que abdicou do sentido ideológico da sua fundação e das raízes de alguns dos seus fundadores. Até Mário Soares, que tem defendido Sócrates até à exaustão, começa a revelar sinais de desassossego pelo caminho que o Governo leva o País. O rol de privatizações ultrapassa tudo o que é previsível. Por este andar, para que serve o Governo? Seria, talvez, mais acertado contratar uma firma de "gestores" estrangeiros (há várias) e entregar os destinos de Portugal às suas estratégias de mercado.

Estamos, notoriamente, no fim de um ciclo, no fecho de uma época e na derrota daqueles que nos derrotaram. Vamos pagar o que, criminosamente, por outros foi praticado com repugnante impunidade.

APOSTILA - Para dar tranquilidade ao espírito sugiro ao leitor a leitura de "Dicionário Falado - seguido de As Minhas Ribeirinhas", reeditado pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda, um dos grandes textos de Tomaz de Figueiredo, escritor maioríssimo, que as incompetências pátrias têm omitido e os jornalistas "culturais" ignorado. O universo deste minhoto sacudido, truculento, grave e genial é a reconstrução da infância, a reabilitação do sonho e um dos mais originais empreendimentos linguísticos de que há memória. Não se aprende, somente, a beleza de um idioma incomparável: Figueiredo queria ensinar-nos a amar um certo Portugal. Dilecto, leia-o, e despreze essas burundangas com que insultam a nossa inteligência.

b.bastos@netcabo.pt

Retirado de http://www.jornaldenegocios.pt


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